segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O papel da mídia na sustentação da política de segurança: uma análise da cobertura jornalística de O Globo na operação militar do “Complexo do Alemão”, de 27 de junho de 2007

Artigo concluído em julho de 2007




Alexandre Franco*


RESUMO




O presente trabalho tem como objetivo mostrar a íntima relação da mídia com a política de segurança pública em andamento no estado do Rio de janeiro, tendo como recorte a cobertura do jornal O Globo sobre a operação militar no Complexo do Alemão do dia 27 de junho de 2007. Para tanto, optou-se por averiguar a seqüência jornalística que vai desde o dia 28 de junho a 04 de julho de 2007.





INTRODUÇÃO



Em 27 de junho de 2007, a secretaria de estado de segurança do Rio e Janeiro promoveu uma operação policial com a participação das polícias civil e militar e apoio da Força Nacional de Segurança (FNS) no complexo de favelas do Alemão. Este tipo de operação não é atípico, ele é mais um exemplo da racionalidade de uma política de segurança pautada no “enfrentamento” e que vê na letalidade policial um ponto de sucesso e eficiência. Uma política de segurança que promove cotidianamente o genocídio só é “justificável” pela certeza de que vivemos uma “guerra”. E seus partícipes são, de um lado, uma parte da sociedade com o Estado, e do outro, uma gigantesca massa de excluídos considerados perigosos, e a essa altura (des)personificados na figura do inimigo.

No seio do neoliberalismo, o que deve ser combatido não é aquilo (ou aquele) que causa a insegurança coletiva e o desamparo social, mas sim aqueles que podem vir a desestabilizar, de alguma maneira, o sossego dos que acompanham o próspero padrão de vida neoliberal-consumista. É considerado criminoso/inimigo, portanto, tanto aqueles que incomodam ou atrapalham o bom andamento do mercado neoliberal, como, também, simplesmente, aqueles que estão alijados desse processo, que não participam dessa economia, que não consomem, que não produzem, isto é, contingentes humanos marginalizados, “inimpregáveis”, que, efetivamente, “sobraram” da sociedade de mercado. O “perigo não mora mais na ideologia e sim nos restos da economia” .

Nesse quadro, a mídia se revela partícipe de um padrão de gestão da pobreza, cujo método é o tratamento penal. Os bairros pobres no Rio de Janeiro já convivem com a decretação de um “estado de sítio”, em que a marca dessa nova regra e a exacerbada militarização do cotidiano dessas comunidades . A cobertura do jornal O Globo sobre a operação militar no Complexo do Alemão é marcada pela defesa intransigente das políticas pró-penalistas. Nem o número elevado de mortos pela polícia na operação (dezenove) impediu que o jornal “blindasse” das críticas a política de segurança genocida em andamento no estado do Rio. Pelo contrário, no editorial do dia 29 de junho O Globo deixou claro como seria a cobertura jornalística da operação nos próximos dias. Não seria dada ao caso nenhuma abordagem suficientemente crítica ao ponto de colocar em xeque a opção por esse modelo de segurança pública: “Não há registro de uma operação policial no Rio de tamanha dimensão e com resultados à primeira vista tão positivo” .



HEGEMONIA NEOLIBERAL: A SEGURANÇA COMO POLÍTICA PUBLICA PARADIGMÁTICA.



1 – Contextualizando



Pesquisa realizada por Vera Malaguti Batista procura demonstrar que desde o fim do regime militar vivemos um processo de redefinição do inimigo público, que deixa de ser o “terrorista” (comunista) e passa a ser o traficante (favelado). Essa mudança pode ser comprovada com uma análise histórica dos próprios meios de comunicação impressa do país, que cede suas manchetes de capa, outrora dedicada às notícias de “terrorismo” em pleno regime militar, e agora à “ousadia” dos traficantes de drogas nos morros e favelas.



Na transição do autoritarismo, da ditadura para a abertura democrática (1978 – 1988) houve uma transferência do ‘inimigo interno’ do terrorista para o traficante. Todo o sistema de controle social (incluindo aí as instituições ideológicas como os meios de comunicação de massa) convergiu para a confecção do novo estereótipo.



A veracidade do discurso de que há de fato um inimigo público a ser combatido é reproduzida cotidianamente pela mídia, que opta, por vezes em estampar friamente, sem nenhuma preocupação jurídica, a imagem de supostos criminosos nas manchetes de jornais, com legendas contendo palavras discriminatórias e com alta carga ideológica, ou, espalhando o terror de uma suposta “guerra” contra o mercado das drogas. O inimigo é moldado assim ou pela imagem de sua própria caracterização humana ou pela reiterada referência à guerra contra as drogas.

Maria Lúcia Karan adverte que desde o início do século XX o poder punitivo do Estado tem se ampliado com base no processo de criminalização das drogas e que apesar de “os atentados de 11 de setembro de 2001, essa tendência expansionista tenha encontrado no terrorismo uma nova e mais fácil fonte de legitimação, aquele seu primeiro fundamento não foi abandonado. Ao contrário, os arautos da repressão freqüentemente procuram associar os dois fenômenos”. Não raro, os jornais brasileiros em casos de excepcional criminalidade (bombas, incêndios em ônibus, etc.) procuram fazer a associação de que Karan nos fala, utilizando termos como “narcoterrorismo” e “atentados de traficantes”. Tal ligação só serve para aumentar a carga emocional desses eventos criminais, permitindo a demonização de seus agentes, ou seja, reforçando o conteúdo alarmante da expressão “inimigo”.

O inimigo surge, na contemporaneida, como necessidade elementar de um sistema que procura sempre ocupar mais espaço no quadro das políticas públicas. É esse ser, desprezível, não-cidadão, e mais propriamente, “inimigo de toda a sociedade”, que vai conseguir supostamente unir as pessoas pelo medo e pela certeza de que, apesar de entre elas haver profunda discrepância social, econômica e cultural, há, porém algo que as une: um suposto inimigo a ser combatido.

A funcionalidade dessa lógica é necessária para a manutenção do próprio projeto neoliberal, seja, por direcionar a quase totalidade do conjunto de políticas públicas na atuação do sistema penal, manifestando a opção do aparelho do Estado apenas nessas políticas e não nos programas de promoção de cidadania positiva e nas redes de amparo social, seja por provocar a histeria social necessária capaz impedir manifestações populares por mudanças políticas mais profundas. Nas palavras de Zygmunt Bauman:



O que se pode fazer a respeito da segurança é incomparavelmente mais espetacular, mais visível, “televisível”, que qualquer gesto voltado para as causas mais profundas do mal-estar, mas – pela mesma razão – menos palpáveis e aparentemente mais abstratas.



A mídia, como pretensa porta-voz da sociedade, implementa inúmeras campanhas “pela paz”, “contra a violência e a impunidade”, alimentadas sempre pelas conseqüências trágicas das ditas “ondas de criminalidade” e pela persuasão das matérias policiais no mercado de venda de notícias. Entretanto, ainda como porta-voz é incapaz de expressar as reais necessidades do povo, que pela cobertura maciça das páginas policiais acaba sofrendo de uma certa “dissonância cognitiva”, “emburrecedora”, onde a população não consegue enxergar quais são os verdadeiros problemas e como poderiam ser solucionados .

Sob essa lógica, onde as políticas neoliberais deram conta de dissuadir quaisquer possibilidades de intervenção do Estado na economia, transformando as bases de sua atuação no campo social a simples políticas de compensação, o sistema penal surge como a grande e única solução viável para os problemas da delinqüência urbana. A grande maioria dos discursos, que entope os jornais e a televisão, possui teses que muito pouco tem a ver com os problemas a que se referem ostensivamente: “a redefinição das missões do Estado que em toda a parte se retira da arena econômica e afirma a necessidade de reduzir seu papel social e de ampliar, endurecendo-a, sua intervenção penal” .

A violência, tratada nas páginas de jornal como manifestação delitiva inerente às classes populares, e cujas manifestações muitas vezes estão ligadas a eventos “não-criminalizáveis”, aparece nesse cenário circunscrita unicamente ao aspecto criminal, como se sua ocorrência não fosse fruto, aí sim, de uma violenta desigualdade social, mas de uma grande crise anômica, e que tem levado a sociedade a um patamar de impunidade “inaceitável”.



2 – A racionalidade de uma Política de Segurança pautada na contenção do inimigo



Eugênio Raúl Zaffaroni nos ensina que os inimigos “não se declaram a si mesmos, mas antes são declarados pelo poder”. Cumpre destacar que a mídia desempenha um papel relevante na configuração do inimigo público, seja porque é ela que dá imagem, ou melhor dizendo, estereótipo, ao inimigo ou porque é ela que publiciza periodicamente a existência dele, declarada a priori pelo poder central (Estado). Nesse ponto, uma vez declarada a sua existência pelo poder, sua legitimação não se dá mais pelo seu perigo comprovadamente atestado, mas pelo potencial do espetáculo que sua contenção pode supostamente exigir do Estado. Operações de guerra implementadas pelo poder público no combate ao “crime organizado” têm o potencial de provocar o alarme social necessário para dar relevância ao inimigo, que passa a ter sua “periculosidade” testada e comprovada pela manifestação de força que o Estado mobiliza supostamente para contê-lo.

As operações de guerra da polícia do Rio de Janeiro em incursões nos morros e favelas externam o inimigo como algo manifestamente poderoso: “Os grupos de criminosos não são quadrilhas comuns, sem armamento e logística. Eles exigem um tipo de enfrentamento que vai além da capacidade das polícias”. A super estimação do inimigo permite sua despersonificação como sujeito. Ele não é apenas mais um criminoso que cometeu uma entre várias condutas tipificadas no Código Penal, é um ente hostil, um ser exógeno “passível de isolamento e combate como algo não-natural à nossa índole” .

A negação da condição de pessoa ao inimigo é a conseqüência natural desse status que lhe é dado, é fruto do tratamento diferenciado em relação ao outros. O inimigo precisa ser combatido, contido, neutralizado, pois a ele não cabe espaço medidas ordinariamente efetivadas quando o criminoso possui desvios no “padrão da normalidade”, sendo certo que seu extermínio, imediato ou gradual, é a vontade geral, é premissa irrefragavelmente obrigatória para a segurança de “toda” a sociedade. Enquanto o cidadão “criminoso” é punido, em regra, com garantias constitucionais previamente estabelecidas de um processo penal pautado na legalidade, tendo em vista ser um indivíduo a quem se reconhece autonomia moral, e que fazendo uso dela cometeu uma infração que causou danos a bens jurídicos alheios, o inimigo, a quem não se reconhece liberdade de consciência suficiente para responder como qualquer um sobre suas ações, não é sequer submetido à pena, sua conduta não precisa passar por um procedimento de judicialização para ser comprovada sua reprovabilidade e ter sua conseqüência decretada; ao inimigo restam apenas as medidas policiais para a contenção do perigo que representa e que, pela própria natureza administrativa dessas medidas, são “auto-executáveis”

Nesse processo, onde a cada dia o Sistema Penal, através das políticas de Segurança Pública, revela sua verdadeira face, nua e crua, extirpando da sociedade os indesejáveis, o mito da ressocialização e/ou da prevenção (geral ou específica), ao qual o poder punitivo sempre invocou como justificativa minimamente racional, cede lugar ao discurso vingativo da neutralização do criminoso . Não importa mais os princípios norteadores de sua criação, basta apenas que seja “eficiente” naquilo que se propõe a ser, ou seja, exterminar aqueles que já foram declarados inimigos públicos da sociedade, haja vista que o que está em jogo não é mais a defesa de bens jurídicos relevantes, mas a simbologia de que o sistema (penal) opera e nunca deixou de operar, sendo certo de que sua manifestação de força e poder além do comum encontrará na mídia o suporte ideológico capaz de incrementá-lo ao gosto do povo e reproduzi-lo continuamente em “espetáculo moral”.



A OPERAÇÃO DO ALEMÃO: ENTRE O CONFRONTO E A FÚRIA DA MÍDIA.



“POLÍCIA INVADE ALEMÃO E MATA 19”. Esta foi a manchete de O Globo no dia 28 de junho, dia seguinte à operação militar que deixou 19 mortes oficialmente declaradas pela polícia. A reportagem da página 13 anuncia no seu sub-título: “Operação mobiliza 1.350 homens e consegue chegar pela primeira ao topo do complexo”. Informando ao leitor o sucesso da operação, como a descoberta do “esconderijo dos bandidos” e a apreensão de munições, drogas, e de 14 armas, dentre as quais duas metralhadoras antiaéreas, a reportagem desvia o foco daquilo que deveria ser a pauta da cobertura jornalística: os 19 civis mortos pela polícia.

Assumindo claramente a opção por esse tipo de policiamento nas favelas, o jornal O Globo não acena para uma cobertura que se importe em investigar as mortes oficialmente declaradas pela polícia. Dessa maneira, a mídia aparece não apenas como “substituta do Estado e cúmplice do sistema penal” , mas também como braço da política de segurança pública, pautada na repressão a comunidade pobres e no enfrentamento armado como solução para o caos social. Assim, o poder público encontra na mídia a necessária aprovação capaz de garantir o suposto amparo popular suficiente para dar respaldo e continuidade à política de segurança. Ao legitimar a militarização crescente na política de segurança pública fluminense, a mídia reforça o status quo das relações sociais existentes, contribuindo para o aprofundamento do quadro de exclusão social . Sob essa cumplicidade o O Globo inicia sua reportagem do dia 28 de junho dizendo, ao lado de uma fotografia com a imagem de um jovem morto com o corpo ensangüentado no chão, onde um homem de pé, com olhos expressivamente desesperados, fecha as mãos e olha para o céu, “O tráfico de drogas no Complexo do Alemão sofreu ontem a maior baixa (...) dezenove traficantes morreram (...). A própria fotografia desmente o texto do jornal. Não foi o tráfico que sofreu as baixas, toda aquela comunidade sofreu as mortes e a violência policial naquele dia. Apesar de a legenda da fotografia dizer que “MORADORES PROTESTAM (...)”, não consta em toda a reportagem sequer palavra de um único morador. Isso nos faz pensar que o jornal não dá credibilidade àqueles que vivem nesses lugares, pois se não são os inimigos dessa guerra, representam para o jornal, simbolicamente, a “população civil do exército inimigo”.

Nessa mesma reportagem (28 de junho), em toda a página dedicada à cobertura sobre a operação no Complexo do Alemão, das quatro entrevistas apresentadas na matéria, uma era do secretário José Mariano Beltrame, outra do coronel Mário José Duarte e outra de “um inspetor de uma especializada”. Nenhuma delas contestava a operação, pelo contrário, pareciam ter sido selecionadas de maneira a complementar umas as outras, com o objetivo de construir um consenso de apoio à Operação. A única entrevista de um morador do Complexo declara a suposta “pressão” feita pelos traficantes aos trabalhadores da favela, reforçando mais uma vez senão o sucesso da operação, pelo menos a sua necessidade.

“A Guerra contra o tráfico está declarada”, é o título de um box da página 16 do jornal do dia 29, retirada de uma entrevista do coronel Marcus Jardim. Como disse a reportagem esse foi o “tom do que serão os dias até que seja retomado o controle das favelas”. A terminologia “guerra” foi incorporada de vez ao vocabulário do discurso jornalístico na cobertura criminal, nesse processo banalizam-se expressões como “inimigos” (em substituição ao “criminoso”), “territórios” (no local de “bairros”, “comunidades”), “táticas de guerra” (no lugar de “planejamento policial”), “baixas” (ao invés de “mortes”), e com isso toda a percepção do cotidiano que ela produz: um estado de exceção permanente, onde as escolas se mantém fechadas, as crianças ficam sem aulas, os serviços públicos não abrem e as mortes são freqüentes e naturalizadas. Isso explica um pouco porque o jornal não dá a importância que deveria às mortes por balas perdidas ou em confrontos: elas são conseqüências esperadas do estado de guerra declarado.

As mortes pela polícia são legalmente declaradas em “autos de resistência” e sua legalidade e legitimidade não são, em regra, contestadas pelos jornais. Todos os autos oficialmente declarados pela polícia como resistência em confronto é incorporado ao discurso jornalístico como sendo, de um lado, a própria condenação dos mortos, e de outro, absolvição do Estado, dando à cobertura um dado sólido e em princípio inquestionável. Sustentando-se na “presunção de veracidade” dos agentes policiais, a mídia constrói sua narrativa, que ao contrário dos primados da dita “neutralidade” oriunda de seu dever de informação, objetividade e clareza, está repleta de subjetividade e simbologia. Abaixo de uma fotografia da capa do dia 28 de junho a legenda diz que “Moradores levam o corpo de um dos mortos pela polícia num dos confrontos: outros bandidos deram o alerta de fuga quando viram a quantidade de policiais” (grifei). E de maneira sutil, ela introduz a ideologia de seu editorial, entitulando como “Vitória Policial”, aquilo que seria mais tarde seria denominado de “chacina do Pan”, um dos maiores exemplos da criminalização da pobreza constante na política de segurança pública em andamento no Rio de Janeiro.



“BAIXAS” E EXECUÇÕES: O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE AS VIDAS DESCATÁVEIS



Diante de fortes indícios de execuções por parte de agentes policiais, o que conseqüentemente levaria ao desprestígio de uma operação implementada com o objetivo de “combater” o tráfico e não executar pessoas, o jornal O Globo assume claramente a opção por uma cobertura que tentará, num primeiro momento, negar a possibilidade de execuções, seja omitindo declarações de moradores, seja garantindo nas matérias um espaço maior às autoridades públicas, e num segundo momento, “justificar” as possíveis execuções.

As matérias dos primeiros dias da cobertura no Alemão confirmam as mortes como sendo “todas em confrontos”, reproduzindo demasiadamente o discurso das autoridades diretamente envolvidas. Na matéria de capa do dia 28 de junho, tem-se a seguinte chamada: “Após vários confrontos, 19 pessoas morreram...”. Não se dá importância aos relatos dos moradores, ou pelo menos, se coloca em xeque a operação. O objetivo do jornal é garantir a veiculação do sucesso da operação, mostrando que as mortes foram conseqüência da “resistência” dos bandidos. Sob uma reportagem do dia 29 de junho, na página 16, com o título “Apesar das baixas, o tráfico resiste”, outra matéria menor, numa suíte, chama a atenção do leitor. Trata-se de um reforço ao argumento de que as mortes se deram a partir da “resistência” dos bandidos: “Confrontos matam mais”. Apesar de ser pequeno, o texto revela, pautado em dados obtidos em delegacias, que onde há um número de homicídios elevados, há mais confronto envolvendo bandidos e polícia, e conseqüentemente mais “baixas”.

Nos dias seguintes, tendo em vista a apuração das mortes por entidades importantes, como as Comissões de Direitos Humanos da OAB e da Alerj, o jornal passa a assumir uma postura de “justificativa” das mortes possivelmente fruto de execuções, pautando a matéria sobre “quem morreu” e não “como morreram”. Na reportagem da página 12 do dia 02 de julho, o jornal dedica mais da metade da reportagem à divulgação dos nomes dos mortos e suas fichas criminais. Sob um discurso que remonta claramente aos postulados da criminologia tradicional, o jornal resgata o conceito de “periculosidade”, tentando produzir um consenso de fundo na justificativa de tais mortes. Zaffaroni nos ensina que a construção de um direito penal que considera que “alguns seres humanos são perigosos e só por isso devem ser segregados ou eliminados” reflete o germe de regimes totalitários, em que não se mensuram os limites de atuação do poder público, pois diante de seres perigosos, o poder deve se manifestar na medida da necessidade de contenção do perigo e “a estrita medida da necessidade é a estrita medida de algo que não tem limites, porque esses limites são estabelecidos por quem exerce o poder” .

A reportagem inicia-se com a denúncia da Comissão de Direitos Humanos da OAB de que havia fortes indícios de execuções nos “autos de resistência” da polícia. Mais à frente, a matéria revela que “pelo menos dez das vítimas tinham passagem pela polícia”. Aparentemente, no bojo de uma reportagem que se inicia com a denúncia de execuções, o fato de pelo menos “dez mortos terem passagem pela polícia” não é um dado que possa isentar o poder público da responsabilidade de crime de homicídio, porém, esses dados têm um objetivo claro: produzir no imaginário do leitor a possibilidade de relativização da vida (ou pelo menos de algumas), no sentido de que determinadas pessoas, pelo seu histórico, ou melhor, pela sua “ficha”, são realmente “descartáveis”. Ali se constrói a subjetividade, sempre na direção do alarme social, enumerando os crimes supostamente cometidos pelas vítimas: “homicídios qualificados, assaltos a mão armada, tráfico, receptação, porte e uso de drogas e armas”. Na medida em que a matéria afirma que dos 15 mortos investigados, “pelo menos dez tinham ficha na polícia”, mais a frente, sem critério algum de objetividade, a reportagem relata que “as fichas mais extensas são de...” e enumera exatamente os dez mortos pela polícia com fichas em delegacias, ou seja, segundo a matéria, todos os mortos suspeitos possuem “extensas fichas criminais. Não basta dizer que os mortos possuíam contra si tais fichas na polícia, é necessário declarar que eram “extensas fichas criminais”, dando ao leitor um indício da “periculosidade” dessas vítimas.

Numa dessas “extensas fichas criminais” consta que um dos mortos pela polícia possuía contra si investigação sobre “porte e uso de drogas”. Justamente numa sociedade que aceita socialmente o uso de determinadas drogas , a essas pessoas, mortas pela polícia, até o “porte e o uso de drogas” significa ter contra si alguma coisa muito ruim, ou seja, “fichas criminais extensas”. O que leva a uma reportagem dedicar mais da metade do espaço a enumerar nomes e fichas criminais de pessoas, cujas mortes são suspeitas de execução? A generalização entre pobreza e crime, implícita na reportagem, produz a sensação de que todos estavam “condenados” de alguma maneira, e que, portanto, não há porque investigar se foram ou não executados: suas vidas são descartáveis.

O jornal não se importa em investigar como essas pessoas morreram ou pelo menos em dar publicidade de verdade às investigações. O que importa é defender o sucesso da operação policial, o importante nessas mortes é o fato de que são “Onze mortos com ficha policial”. Ali, naquela cobertura jornalística, todos os mortos são traficantes, são bandidos, são perigosos. Se eram ou não criminosos, a política de segurança do governo do estado já fez o trabalho e processá-los e sentenciá-los. A polícia, o trabalho de execução da pena. E a mídia, o trabalho de um Diário Oficial, divulgando as mortes, os nomes, os números e os relatos vindos do governo, como se apenas tivesse a função de retransmitir acriticamente as informações oficiais que chegam a ela.



A CRIMINALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO: O PROBLEMA É A FAVELA



O problema desses bairros pobres aparece como sendo, ora o “tráfico das favelas”, ora a própria favela em si. No caderno de cidade do dia 04 de julho, ratificando uma a manchete de capa do dia anterior (“E nasce mais uma favela no Rio”), a reportagem sobre uma liminar concedida na Justiça a moradias irregulares em Vargem Grande, zona oeste do Rio, vem acompanhada de fotografias que externam bem a pobreza e a precariedade de serviços públicos nas favelas , ao mesmo tempo em que o corpo da reportagem denuncia o “perigo” desses lugares na proliferação de violência e criminalidade. Num suit “Ocupações em toda a cidade” a cobertura mostra vários locais ocupados irregularmente, fechando a reportagem anunciando novamente o perigo da favelização, principalmente em áreas nobres, como zona sul e oeste, exemplificando que o crescimento de uma favela em Copacabana se estendeu a outros lugares, como a Lagoa, e que agora “está dominada por traficantes”. Na mesma linha, o editorial sobre a matéria traz conclusões que não deixam dúvidas sobre o sentido da cobertura jornalística sobre a favelização nas grandes cidades, que não é tratada nos jornais como um problema de falta de política urbana para a moradia, mas sim como a conseqüência da ausência de políticas repressivas de “lei e ordem” na cidade: “Se a prefeitura continuar lenta ao tratar da ocupação anárquica da cidade, pode-se prever o desfecho dessa história, contabilizando-se mais um foco de violência e degradação do Rio”.

Dois dias após a operação da Polícia no complexo do Alemão, onde a secretaria de estado de segurança desempenhou uma verdadeira operação de guerra, com 1350 homens portando armamento pesado, atiradores de elite (snipers) e carros blindados (caveirões), no dia 29 de julho, o globo em sua manchete de capa anuncia: “Polícia já planeja cerco a Rocinha e mais quatro favelas”. Na mesma página, a chamada vem informar as últimas declarações do secretário de Segurança do estado, José Mariano Beltrame, que declara, numa entrevista que ocupa quase toda a página 18 que “vai estender a rocinha e a outras quatro favelas do Rio a mesma estratégia de uso da força empregada no Complexo do Alemão” Na mesma entrevista a favela é vista como espaço coberto pelo mal, e que apesar de o secretário afirmar que dos “99,9% dos 200 mil moradores do Alemão serem pessoas de bem” ela continua sendo abordada nas páginas jornalísticas como um território que contem algo ruim em si mesmo.

As operações implementadas pela polícia no combate ao crime nessas comunidades está sob a lógica da “guerra” e da retomada de um território perdido . Nesse sentido, nas diversas páginas da cobertura da operação no complexo do Alemão, a exposição de mapas com legendas e orientações cartográficas permite ao leitor tanto a compreensão de como a operação foi implementada como induz a conclusão de que é realmente através de uma operação militar que efetivamente será possível, como disse Beltrame na reportagem, “devolver as favelas aos seus verdadeiros donos”.

No Editorial do dia 29 de julho (“Vitória Policial”) consta que as quadrilhas encontram-se “encasteladas em favelas, bairros transformados em territórios fora do controle do Estado brasileiro, convertidos em bases para toda a sorte de crimes cometidos na cidade” (grifei). É assim que a mídia enxerga as favelas, e mais particularmente, como o “O Globo” as vê. Os problemas das favelas são vistos apenas sob o ponto de vista criminal e sob a “ameaça” que representam como redutos de grandes criminosos, e não sob o ponto de vista da carência de recursos, de serviços públicos, de políticas públicas sociais, de ofertas de oportunidades para a juventude, de degradação humana, em virtude de anos esquecimento do estado, etc.

As incursões militares em favelas no Rio de Janeiro encontram na cobertura jornalística criminal a mistificação necessária para legitimar a atuação truculenta do poder público nessas localidades. É praticamente uma guerra santa, de libertação e de civilização, ora contra os traficantes, ora contra o tráfico, e não raras vezes contra a própria favela. “Mais favelas na mira”, deu o globo no título do caderno de cidade do dia 29 de junho.



O ESTADO DE DIREITO EM XEQUE: QUANDO A EXCEÇÃO VIRA REGRA



Rejeitando as considerações a respeito da justiça, das orientações internacionais sobre direitos humanos e até mesmo do próprio Direito, o discurso da segurança pública no Rio de Janeiro reafirma sua política de exceção, que longe de garantir a segurança promove e acentua a segregação social de comunidades inteiras. Os modelos de policiamento e de combate ao crime em regiões marginalizadas no Rio de Janeiro são pautados no enfrentamento e numa violência descomunal, revelando, claramente, que se tratam de políticas excepcionais.

A transformação do cotidiano dessas comunidades numa realidade violenta por natureza permite que o modelo de policiamento em determinados locais seja pautado numa exceção que virou regra. Os enfrentamentos armados a qualquer hora do dia, bem como as inúmeras violações de direitos humanos, passam ser aceitas na opinião pública sob o argumento de que medidas excepcionais são necessárias para a restauração da ordem. A lei se suspende, e no lugar dela surge uma força discricionária com força de lei, cujo objetivo é preservar a própria lei. No ramo do direito, um dos melhores exemplos do uso como regra de instrumentos alheios ao ordenamento jurídico brasileiro, constante nas políticas de segurança pública, são os “mandados de busca e apreensão itinerante ou genérico”, que, a partir de uma suposta necessidade na manutenção da lei e da ordem, permite um verdadeiro “etiquetamento penal” das camadas subalternizadas, ou melhor, reflete a racionalidade de um modelo de segurança pública propulsor da exclusão e assentado na criminalização da pobreza. Nessa política de segurança, a identificação do inimigo obedece a critérios geográficos e sociais, o que impõe às camadas mais pobres da população a triste generalização entre pobreza e crime. Na matéria da página 13 do dia 28 de junho há um trecho que merece destaque. Trata-se de uma entrevista do pai de uma vítima: “O servidor público Paulo Ferreira dos Santos, de 51 anos, disse que o filho Paulo Eduardo, de 18 anos, não trabalhava nem estudava”. É com esse ar de deboche que o jornal encerra a matéria, como se no Brasil houvesse pleno emprego e educação para todos e como se fosse óbvia a relação entre juventude, pobreza e crime.

Giorgio Agamben denuncia que este modelo de gestão de governo pode ser visto como um típico estado de exceção, que “inicialmente apresentadas como medidas ligadas a acontecimentos excepcionais, reservadas a situações limitadas no tempo e no espaço, tornam-se regra” . A implementação de políticas excepcionais nas favelas é vista como uma necessidade para a restauração da lei que foi perdida. Em outras palavras, só com a exceção, gerida pelo Estado, será possível vencer a exceção nesses lugares, ou seja, o dito “estado paralelo”. O grande problema é este de que Agamben fala, quando a exceção vira a regra e é “progressivamente substituída por uma generalização sem precedentes do paradigma da segurança como técnica normal de governo”.

Toda a mudança de paradigma da exceção para a regra é velada por um cuidadoso silêncio acerca de suas formas, onde a mídia tem um papel fundamental. A presença, por longo tempo, da Força Nacional de Segurança nas operações militares no Rio de Janeiro e o “clamor” na defesa da atuação das Forças Armadas no policiamento dos estados são exemplos desse estado de exceção. O jornal não questiona porque a polícia fluminense não pode sozinha cumprir sua função constitucional, pelo contrário, reafirma sua ineficiência na manutenção da segurança e clama pela perpetuação de situações excepcionais. A reportagem da página 18 do dia 29 de junho inicia-se com o seguinte trecho: “A presença da Força Nacional de Segurança (FNS) no entorno do Complexo do Alemão foi tão importante para o sucesso da operação de anteontem que o secretário de segurança José Mariano Beltrame, pretende pedir ao governo federal a sua permanência no Rio até o fim do ano”.

Calando-se a respeito das possíveis execuções, a mídia torna-se não apenas cúmplice, mas partícipe de um modelo de gestão da segurança em áreas pobres marcado pela truculência do Estado. Na página 19, sob o título “Operação é considerada um marco”, a reportagem reproduz a fala de um economista, cujo um trecho merece destaque: “Não podemos ficar esperando a polícia ideal para retornar um território que é o epicentro do poder paralelo (...)”. Ao denunciar esporadicamente alguns “excessos policiais”, como se fossem casos isolados de meros desvios comportamentais no decorrer das incursões militares em favelas cariocas, o jornal O Globo silencia-se na crítica à política. As decisões tomadas na cúpula do governo, que levaram à condução de uma típica “operação de guerra” contra as comunidades do Complexo do Alemão no dia 27 de junho, foram categoricamente poupadas de críticas, e seus verdadeiros responsáveis, “blindados” pelo jornal.



CONCLUSÃO



A cobertura jornalística do jornal O Globo sobre a operação militar no Complexo do Alemão revelou não só a cumplicidade da mídia com o sistema penal, mas, expressamente, exaltou seu apoio a uma operação militar que deixou como resultado uma chacina de 19 pessoas. Poupando de críticas as estruturas econômicas, sociais e políticas, que produzem todos os dias uma juventude cada vez mais desesperançosa e sem oportunidades , o jornal se mostra ávido por choques de repressão em resposta ao problema social do Rio de Janeiro.

A confiança no Sistema Penal é, nesse ponto, simbólica, uma vez que não é necessária a comprovação da eficácia desse sistema no combate ao inimigo, é necessário apenas que seja sentido publicamente sua persecução, através de (mega)operações que provocam um certo clamor público de apoio a demonstrações de força por parte do Estado . Em tempos de neoliberalismo, o combate a delinqüência urbana, transformado pela mídia num perpétuo espetáculo moral, permite reafirmar simbolicamente a autoridade de um Estado justamente num momento em que ele se mostra impotente e derrotado na batalha econômica e social.

O modelo de segurança pública no Rio de Janeiro, voltado quase que exclusivamente ao que se chama de “guerra às drogas”, e que há muito se tornou “guerra aos pobres” é o tão conhecido “tratamento penal da miséria” , um projeto de controle social que tem levado tanto ao encarceramento sistemático de pobres, quanto ao genocídio da juventude pobre e negra. Nesse quadro, a mídia tem se mostrado porta-voz dos interesses de grupos que vêem nas medidas punitivas o grande aspirador social capaz de “limpar” do espaço público a escória humana resultante das transformações econômicas em andamento. Se por um lado o jornal O Globo dissemina todos os dias o medo branco nas manchetes policiais, a cobertura do Alemão permitiu que o jornal velasse, com um silêncio sepulcral, as 19 mortes da chacina do Pan.

REFERÊNCIAS

*Membro da Coordenação Regional de Estudantes de Direito do Rio de Janeiro – CORED/RJ



Um exemplo muito elucidativo do que é a chamada “criminalização da pobreza” são as músicas cantadas durante o treinamento dos membros do Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE:


"O interrogatório é muito fácil de fazer / pega o favelado e dá porrada até doer.


O interrogatório é muito fácil de acabar / pega o bandido e dá porrada até matar...


Bandido favelado / não se varre com vassoura


Se varre com granada / com fuzil, metralhadora”. (fonte: Relatório da Anistia Internacional/2005. “Eles Entram Atirando”: Policiamento de comunidades socialmente excluídas. Pode ser encontrado em http://web.amnesty.org


FREIXO, Marcelo. Direito Humanos. 2002. Disponível em http://www.chicoalencar.com.br


“Um símbolo poderoso da militarização crescente do policiamento é o caveirão, um veículo blindado usado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro em muitas de suas operações. (...) o uso do caveirão tem sido ligado ao policiamento indiscriminado e repressivo. Os relatos sobre seu uso nas comunidades falam sempre dos tiros a esmo e do tratamento discriminatório dado aos moradores”. Trecho do Relatório da Anistia Internacional/2006: “Entre o ônibus em chamas e o caveirão”: em busca da segurança cidadã. Disponível em http://web.amnesty.org


Entre 2003 e 2006, foram registrados mais de 4000 autos de resistência. Fonte: ISP/SSP-RJ (http://www.isp.rj.gov.br).


Trecho do Editorial “Vitória Policial”, publicado no dia 29 de junho de 2007.


BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Revan. 2ª Edição – 2003.


Idem. p. 40.


KARAN, Maria Lúcia. Legislações proibicionistas em matéria de drogas e danos aos direitos fundamentais in mimea Revista Verve: Nu-sol/Puc-SP. São Paulo, 2007


BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 126.


WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Editora Zahar, 2001, p. 18.


ZAFFARONI, Eugêni Raúl. O Inimigo no Direito Penal. Coleção Pensamento Criminológico nº 14. Editora Revan, p. 23


Trecho do Editorial “Vitória Policial”, dia 29 de junho.


MORETZSOHN, Sylvia. Imprensa e criminologia: O papel do jornalismo nas políticas de exclusão social., p. 09. Disponível em www.bocc.ubi.pt


A esquizofrenia dessa política de segurança é tão visível que os dados do Instituto de Segurança Pública revelam que no primeiro semestre de 2007 foram registrados em todo o estado do Rio 652 autos de resistência, e no mesmo período do ano de 2006, 520. Porém, nesse mesmo período analisado, o número de prisões reduziu de 9051 (jan-jun de 2006) para 6919 (jan-jun de 2007), o número relativo a drogas apreendidas reduziu de 5589 (jan-jun de 2006) para 4720 (jan-jun de 2007) e o número de armas apreendidas reduziu de 6768 (jan-jun de 2006) para 3806 (jan-jun de 2007). Fonte: ISP/SSP-RJ (http://www.isp.rj.gov.br).


BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio, in Discurso Sediciosos nº 12, Rio de Janeiro, Revan/ICC. Também disponível em www.bocc.ubi.pt


Sobre a importância da mídia na promoção da exclusão social, ver: MORETZSOHN, Sylvia. Imprensa e criminologia: O papel do jornalismo nas políticas de exclusão social.


No jornal do dia 29 de junho, na página 3 (caderno “País”), há uma reportagem sobre o enterro de um casal assassinado em São Paulo durante um assalto. Essa matéria (“Parentes do casal assassinado em SP protestam contra a impunidade”), que ocupa uma página inteira, contém sete entrevistas, das quais, todas são ligadas aos familiares e amigos das vítimas.


“Baixa”, segundo o dicionário Aurélio, significa “perda que um efetivo militar sofre por morte, ferimento, ou aprisionamento dos seus integrantes”


ZAFFARONI, Eugêni Raúl, p. 24


A Lei nº 11.343/06 retirou a pena de prisão para usuários de drogas.


O jornal afirmou que um dos mortos com fichas criminais “se tivesse sido condenado, poderia ter ficado 65 anos preso” (a reportagem ignorou o limite constitucional de no máximo 30 anos).


Esse foi o título de uma chamada de capa do dia 3 de julho.


Na legenda de uma fotografia, os poucos serviços nesses locais é visto como um excesso da boa vontade do Estado: “INVASÃO com relógio de luz: a favela da Vila Taboinha, em Vargem Grande, já tem mediadores de energia”.






O melhor exemplo disso que estamos tratando pode ser visto num trecho do primeiro “mandado de busca e apreensão” deste tipo, determinado pelo juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira – feito a partir de uma denúncia anônima do “Disque-Denúncia", contra a Comunidade da Grota:


"Frise-se, por derradeiro, que a medida excepcional está calcada em diversas denúncias semelhantes, provavelmente endereçadas por cidadãos humildes e honestos da comunidade local que, certamente indignados com os desmandos do Elias Maluco e sua gangue, bem como o triste envolvimento de parca parcela de policiais corruptos com estes elementos espúrios, busca o único meio de reagir à impunidade crescente neste país; ou seja, denunciar as escuras!


Destarte, este grito de socorro e justiça promovido pelo povo deve ser atendido COM URGÊNCIA E RIGOR, não só pelos policiais honestos, mas também e, principalmente, pelo Poder Judiciário, que ciente e consciente das dificuldades investigatórias dos incorruptíveis policiais e da fragilidade dos cidadãos que se aventuram em "denunciar" o lixo genético que lhes amedronta, cala e mata, não pode simplesmente encastelar-se de forma alienada para discutir meras filigranas jurídicas". (Decisão proferida no processo n° 2002.001.084808-6, contra Elias Maluco, do I Tribunal do Juri da Comarca da Capital, em 28 de agosto de 2002 apud Relatório RIO: violência policial e insegurança pública / organização: Diogo Azevedo Lyra... [et al.] – Rio de Janeiro: Justiça Global, 2004).


Pesquisa realizada pelo IBASE e POLIS em 2005, revela que 27% dos jovens entre 15 de 24 anos não trabalham nem estudam. Pode ser encontrada em http://www.ibase.org.br.


AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: editora UFMG, 2004.


AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004


Um trecho do Editorial “Vitória Policial, do dia 29 de julho exemplifica bem isso: “A experiência do soldado brasileiro no Haiti não pode ser perdida. (...) não é apenas a segurança do carioca que está em jogo. O estado de direito se encontra sob ataque”


Segundo Rogéria Nunes, coordenadora técnica do Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), “o Complexo do Alemão é formado por 13 comunidades onde vivem aproximadamente 125 mil pessoas (...) e não existem escolas de ensino médio nem técnicas ou profissionalizantes” (grifei). Entrevista ao Cadernos Especiais da Rets, 04.07.07. Disponível em http://www.rets.org.br.


“(...) era o que a sociedade aguardava há tempos”. Trecho da carta de um leitor do dia 29 de junho, sobre a operação do Alemão.


Sobre o tema, ver WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Coleção Pensamento Criminológico nº 06. Editora Revan/ICC






BIBLIOGRAFIA



Livros e artigos

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: editora UFMG, 2004.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro, Revan, 1997.
BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio, in Discurso Sediciosos nº 12, Rio de Janeiro, Revan/ICC.
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Revan. 2ª Edição – 2003
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Lígia M. Pondé Vassalo. 11ª. Petrópolis, Vozes, 1994.
FREIXO, Marcelo. Direito Humanos. 2002 in http://www.chicoalencar.com.br
HULSMAN, Louk & CELIS, Bernat J de. Penas Perdidas: o sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karan. Rio de Janeiro, Luan, 1993
KARAN, Maria Lúcia. Legislações proibicionistas em matéria de drogas e danos aos direitos fundamentais in mimea Revista Verve: Nu-sol/Puc-SP. São Paulo, 2007
MORETZSOHN, Sylvia. Imprensa e criminologia: O papel do jornalismo nas políticas de exclusão social in www.bocc.ubi.pt
MORETZSOHN, Sylvia. Em nome da “justiça”, contra o direito: os escândalos do jornalismo nas denúncias de pedofilia in www.bocc.ubi.pt
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Editora Zahar, 2001.
WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Coleção Pensamento Criminológico nº 06. Editora Revan/ICC
ZAFFARONI, Eugêni Raúl. O Inimigo no Direito Penal. Coleção Pensamento Criminológico nº 14. Editora Revan.


Relatórios:

“Entre o ônibus em chamas e o caveirão”: em busca da segurança cidadã. Anistia Internacional/2006. Disponível em http://web.amnesty.org/
“Eles Entram Atirando”: Policiamento de comunidades socialmente excluídas. Anistia Internacional/2005 Pode ser encontrado em http://web.amnesty.org

Violência policial e insegurança pública. Relatório RIO: Justiça Global / organização: Diogo Azevedo Lyra... [et al.] – Rio de Janeiro: 2004).



Sites pesquisados

http://web.amnesty.org/
http://www.bocc.ubi.pt
http://www.chicoalencar.com.br/
http://www.ibase.org.br/
http://www.marcelofreixo.com.br/
http://www.isp.rj.gov.br/
http://www.rets.org.br/
http://www.ucamcesec.com.br/